sexta-feira, 29 de maio de 2009

A Poesia Maldita do final do século XX na Bahia " O Movimento Poetas na Praça" O Poeta Geraldo Maia










Geraldo Maia Santos (Geraldo Maia) Nasceu em Itabuna (Ba), no dia sete de outubro de 1951. Começou a escrever aos seis anos e ainda se considera um aprendiz repetente da escrita numa sociedade ágrafa com forte ascendência oral. Tem nove livros publicados, seis de poesia (Triste Cantiga de Alguma Terra (esgotado) é seu livro de estréia, em 1978, Kanto de Rua (esgotado) (1986), Em Cantar a Mulher (esgotado) (1996), Sangue e palavra (1998), O chão do meu destino (2000), ÁGUA (2004) (esgotado) e dois de ficção (Atol ou o mar que se perdeu de amor por um farol (esgotado) (1991) e PUNHAL, prosa de cangaceiro (esgotado) (1992). Todos os livros editados de forma independente, exceto Sangue e Palavra, editado pelo Selo Bahia. E um de cordel: "CORDEL DO MENSALÃO". Recebeu menção honrosa no concurso de poesia do Banco Capital em 2004 participando da coletânea, Os Outros Poemas de Que Falei, junto com mais seis poetas. É casado com a artista-plástica e poeta, Márcia Santos, tem três filhos, Pedro Santos, José Flávio Maia Santos e Zag Bertim Maia Santos. Ex-aluno de engenharia civil (ufba), jornalismo (puc/rj), é ator, diretor teatral, editor, ambientalista, ecotrofoterapeuta, arte-educador, tendo atuado nos CEUs, em São Paulo, realizando oficinas de poesia e teatro. É um dos fundadores (em janeiro de 1979) do extinto, Movimento Poetas na Praça, que produziu e popularizou a poesia universal através de recitais diários nas praças da cidade, principalmente na Piedade, nas décadas de oitenta e noventa, reunindo os mais ousados, libertários, criativos e revolucionários poetas da Bahia, a exemplo de Zeca de Magalhães, Ametista Nunes, Antonio Short, Miguel Carneiro, Joelsom Meira, Douglas de Almeida, Eduardo Teles (também biógrafo de Castro Alves), Beto Silva, Gilberto Costa, Gilberto Teixeira, Jairo Rodrigues, César Lisboa, Edésio Lima, Semírames Sé, Margareth Castanheiro, Agenor Campos, Dorival Limoeiro (Dori), "Pica-Pau", e tantos outros que a praça acolheu e escolheu para enfrentar e vencer as trevas da ditadura militar mas que estão excluídos como criadores de literatura, momentaneamente, pelas trevas da intolerância (ditadura) acadêmica. Pertence à Escola Baiana de Poesia.








Poesias de Geraldo Maia

Estado de coisas






Eram todos bons meninos




Comeram e se lambuzaram.




Limparam a língua nos pratos.




Derramaram na mesa.




Gritaram a plenos pulmões.




Ainda era verão




e não era banquete




mas tinha sorvete de mamão.




E depois da sobremesa




refresco de limão.




E de bocas meladas




com as mãos lambuzadas




deixaram a mesa arrumada




de desarrumação.




Pegaram seus bonés




espalitando os dentes




contentes se foram




na mais completa falta de educação




dando grandes risadas




e longos arrotos.




Eram todos garotos




hão de compreender.














Geração de março




(Quase um hino)




Nós somos a geração de março




trazemos vendas nos passos




e fechaduras solitárias nos olhos




Nós somos a geração de agora




Não sabemos o dia em que estamos




a mercê de nossa demora




Nós somos a geração híbrida




(de laboratório)




Vivemos nos corredores




entre horários afiados




e o descanso das sepulturas




Nós somos a geração estúpida




Ficamos sempre em dívida




com a nossa dúvida




e não contestamos




Brigamos nas mesas dos bares




as boas notas tiradas




nas aulas de covardia




Nós somos a geração sem voz




Sem olhos




e sem história




Somos cordeiros dopados




Somos o consenso do medo




Somos o corte do grito




Somos o som do arbítrio




Somos o quadro-frio do "NÃO"




A gravidez prolongada




da exceção




Somos sócios da indiferença




Somos a chave da violência
Somos as peças dos tecnocratas




Somos as cordas da repressão




A partilha hereditária
da corrupção




Nós soms fabricados em série




nas escolas e universidades




e vendidos no mercado




ao preço da usura




Somos sim funcionários da tortura




frutos do absurdo




que são todas as Ditaduras




Nós somos uma geração de culpados




e ainda seremos culpados




pela próxima geração




se consentirmos ser




enquanto trocam os termos




que a liberdade nunca ditou




se consentirmos estar




ao lado do corpo abatido




naturalmente




como o corpo abatido




Somos culpados em máxima culpa



porque maximizamos as desculpas



e minimizamos fazer!



Nós somos a geração castrada



comemos "pão-com-cocada"



"rotidoguicumustarda"



fumamos a "palha da braba"



cheiramos o "pó das estradas"



nas reuniões marrr giiii naaaaiiiisssss...



Nós somos a raiz do mal



o radical doente



mas



apesar em nós



essa loucura



somos de repente






A CURA!



A CURA!



A CURA!






(oxénte!)



(Rio de Janeiro, PUC, 1978)


http://www.jornaldepoesia.jor.br/gmaia.html

sábado, 23 de maio de 2009

“A Poesia Maldita do final do século XX na Bahia” O Movimento Poetas na Praça”



"Poeta na Praça"




Poeta na Praça


Poeta de Graça


Poeta Porreta


Poeta Pueta


Poeta na Marra


Poeta na Massa


Lá na piedade


praça da Poesia


na Bahia


é Antonio Short


e Gilberto,


é Costa


(Poesia de Rui Baiano Santana)




No final da década de 70 e durante toda a década de 80, um grupo de jovens poetas resolveu colocar a poesia na praça, perto do povo, surgia assim o Movimento Poetas na Praça. Esses poetas tinham como palco central a Praça da Piedade, em Salvador, Bahia, na qual se reuniam e declamavam poemas seus e de outros poetas, convocando o povo para uma genial performance, como nos tempos dos trovadores da Idade Média. Foram seus fundadores Antonio Short (Falecido), Geraldo Maia, Ametista Nunes, Eduardo Teles, Douglas Almeida Gilberto Costa; lembrando ainda Gilberto Teixeira, Dori(falecido), Agenorzinho(falecido), Zeca Maga lhes (falecido), e o Grande Zé Wilson Bacelar (falecido), que atuava como embaixador do grupo junto à esquerda. Os quatro primeiros compõem o corpus deste trabalho. Essa poesia, chamada de marginal, despertou a ira de alguns poetas, críticos literários e professores universitários, que a tacharam de subliteratura, simplesmente por ela não obedecer aos trâmites oficiais das academias e por valorizar todos os que se propunham como poetas.
Antonio de Pádua de Souza e Silva (Autor da tese de mestrado,Movimento Poeta na Praça: uma póetica de ruptura e resistência)
tese: http://www.sapientia.pucsp.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=7571
Obs. O grifo em negrito no texto são do blog.
O Blog “Semlivro” começa aqui um resgate dessa geração postando entrevistas, matérias teses e poesias
.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

O Poeta Bom "Emanuel Eric"








Emanuel Eric “Eric é uma homenagem ao filho e ao Neto”


É paraense de Belém do Pará Residindo há cinco anos em Ananindeua. Desenvolve suas atividades profissionais como Assessor Parlamentar na Câmara de Ananindeua. Atualmente cursa Administração de Empresas com ênfase em Adm. Pública. Entre outras coisas também é Poeta.
“Crônica poética de um aposentado”, foi classificada no 1º Concurso Metropolitano de literatura Prêmio “Bruno de Menezes”- Poesia

“Emanuel Eric”, “Mhanuh”, “Bem”, poderia ter outro nome: “LIBERDADE”.
Devido ao senso de justiça, sua visão crítica, por ser um questionador irrecuperável, nunca fugindo dos confrontos. Detesta hierarquias, burocracias, reacionários gratuitos. Ah! é avesso a autoridade. Mas, é de uma alegria contagiante. Resumindo:
É um cara Pai d’ égua. –
Armando Hesketh (Diretor e autor da trilha sonora da peça teatral Verde-ver-o-peso)
Emanuel "Eric" participa do livro A Poesia Contemporânea de Ananindeua "A Poesia Urbana na Amazônia"






CRÔNICA POÉTICA DE UM APOSENTADO
Emanuel "Eric"


ACORDOU SEM DAR OU RECEBER BOM-DIA!
FEZ O SINAL DA CRUZ SEM LEMBRAR DE DEUS,
E MACHUCOU OS PÉS MAL CUIDADOS E COM FERIDAS,
NA BÍBLIA EXCESSIVAMENTE MANIPULADA E ESQUECIDA.
DEIXOU SUA IMAGEM APAGADA E VACILANTE, SEM NENHUMA AMANTE,
SER FOTOGRAFADA PELO ESPELHO CRÍTICO MAIS IMPARCIAL,
EM SUA ROTINA DE DESAMOR.
SENTIU-SE ASSIDUAMENTE EXILADO,
EM MAIS UM DIA DE APOSENTADO.
COM O MÁXIMO DE REGALIAS DE MENOSPREZADO,
SAIU DIFÍCIL DO EDIFÍCIO QUE TAMBÉM É PRÉDIO,
ESPREGUIÇANDO-SE EM UMA PERFEITA SINCRONIA,
COM A MESMICE E O TÉDIO.
COM A DIFICULDADE DA IDADE, DA OBESIDADE E DA REALIDADE,
INVADIU A PRAÇA HOSTIL,
SEM AMIGOS, COM NOME DE VELHO, E PSEUDÔNIMO DE ANCIÃO.
TENTOU ALIMENTAR OS POMBOS, QUE MORAVAM EM ESCOMBROS,
MAS NADA CARREGAVAM NOS LOMBOS,
E USUFRUIR DE SUA LIBERDADE ESTÉTICA,
CENA QUE TORNOU-SE PATÉTICA:
OS POMBOS NÃO COMIAM, NÃO ARRULHAVAM,
E TAMBÉM NÃO VOAVAM.
QUIS SER AVÔ DAS CRIANÇAS QUE BRINCAVAM,
MAS NÃO ENTEDERAM SEU AFETO,
QUE PARECEU INOPORTUNO E INCORRETO.
ESFORÇOU-SE PARA CRIAR UMA POESIA,
MAS INSISTENTEMENTE FALTOU-LHE A ESSÊNCIA DA CRIATIVIDADE,
E OS RASCUNHOS NERVOSOS E AMASSADOS,
SERVIRAM SOMENTE PARA SUJAR A CIDADE.
GRITOU COM CHANCES DE LOUCURA,
MAS NÃO TINHA NINGUÉM PARA OUVIR-LHE OU ENTENDER-LHE,
UM MÍNIMO DE ECO:
NAQUELA PRAÇA, EM OUTRAS PRAÇAS E MESMO NAS RUAS,
UNIFORMIZADAS DE NUAS.
OS CABELOS BRANCOS, NÃO SERÃO MAIS ESCURECIDOS,
A BENGALA QUE NÃO ENTENDE DE PUBERDADE,
SERÁ PROVIDÊNCIADA PARA CARREGAR O PESO DA IDADE,
AS LENTES NÃO TORNARÃO A SER TROCADAS,
PORQUE NUNCA MAIS VÃO VER OU PERCEBER,
A NITIDEZ DA FELICIDADE.
NAS MÃOS ENRUGADAS DEITOU SEU ROSTO INCOMODADO,
CHORANDO FLACIDAMENTE SEM SER NOTADO,
MESMO PELO MENOR ABANDONADO, AVÍDAMENTE DESAJUSTADO,
QUE ALIENOU SEU RELÓGIO COMO ESPÓLIO,
SEM REVOLTA OU REAÇÃO, OU ESBOÇO DE EMOÇÃO,
PORQUE NADA MAIS IMPORTA:
NEM AS HORAS, TAMBÉM OS DIAS, IDEM AS SINFONIAS.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O filho do padeiro e a revolução - Companheiro Augusto Boal, Presente!





"Numa quinta-feira de 1971 o carcereiro com aquelas chaves de motorneiro abria a porta de ferro da Cela 3 do Presídio Tiradentes para "depositar" mais um preso político que fazia a Ditadura tremer de ódio. Desta vez entrava na nossa cela, Augusto Boal. Camisa xadrez, cabelo esvoaçante, simples e simpático. Foi logo recebendo as boas vindas dos companheiros e a injeção de moral alta. Eram sete beliches. Cedi a minha cama e subi para o beliche de cima para ele não ter que escalar aquela escadinha estreita. Demos tempo para ele descançar e chamamos para o jantar em volta da nossa mesa redonda. Construçãodo companheiro Flávio. Ali fazíamos as nossas refeições,todos juntos. Ali era, também o lugar onde todos se reunião para a leitura resumida dos jornais, as palestras do companheiros da nossa cela ou de outras, inclusive para as críticas e auto-críticas necessárias. Eram sete celas no Pavilhão um do Presídio Tiradentes. Boal logo se enturmou ao coletivo e propós falar às sextas-feiras sobre o teatro, sobretudo do Opinião. Ganhou , no curto espaço que lá permaneceu, a simpatia de todos. Alípio Freire, Mosca, Flávio, Gorender, Silvio, Vicente, Buda e outros. Quando saiu deixou um monte de revista e livros para a biblioteca coletiva. Era o que todos faziam.
Meses depois é entregue clandestinamente para os companheiros da cela o seu livro relatando aquela experiência fora e no convívio conosco. (com pseudônimo de cada um) parecia que era um esboço de uma futura peça.
Vim vê-lo muitos anos depois, aqui em Ribeirão Preto-SP, numa encenação-ensaio do Teatro do Oprimido. Foi uma alegria inimaginável e com direito a autógrafo no "Cela 3". E depois um chopp gelado no Pingüim.
A nossa homenagem ao companheiro Augusto Boal. Leitor e incentivador da Carta O Berro, até o fim."
Agradecemos a sua luta e a tudo que nos deixou.
Artigo:Vanderley Caixe



O filho do padeiro e a revolução
Em uma época na qual a arte se identifica e se organiza em tendências de temporada, será cada vez mais raro encontrar um artista cuja tendência radical na direção da justiça é obra de uma vida inteira. Augusto Boal construiu uma carreira pontuada muitas vezes por lances decisivos, não apenas pessoalmente, mas para a história do teatro brasileiro. Por meio de sua obra, o andar de baixo finalmente vem à luz e personagens como operários, cangaceiros e jogadores de times de várzea ganham o palco. O artigo é de Kil Abreu.
Kil Abreu (*)
teatro Filho de um padeiro português que chegou ao Rio de Janeiro por se recusar a servir como soldado em uma guerra com a qual não concordava e de uma certa senhora que abandonara o primeiro noivo praticamente no altar para casar, por decisão e gosto, com um “aventureiro”, Augusto Boal aprendeu desde logo que o mundo pode ser mudado, bastando para isso decisão e coragem. Toda a sua invenção no teatro parece se basear nesta fé sobre o efeito da ação do homem no mundo, que não é apenas um lance retórico, como no teatro burguês, e deve ser encontrada nos motivos da vida ordinária. Foi assim que ele construiu uma carreira pontuada muitas vezes por lances decisivos, não apenas pessoalmente, mas para a história do teatro brasileiro. Convidado ao então promissor Teatro de Arena, em 1956, empresta ao grupo os conhecimentos aprendidos, de encenação e dramaturgia, em uma recente temporada nos Estados Unidos. Principal ideólogo nos caminhos de uma cena preocupada em com as contradições da sociedade, é Boal quem intui que um teatro novo, com assuntos ainda não levados ao palco, pede também uma cena nova, com dramaturgia própria e um repertório técnico e artístico que dê conta de suportar a representação da realidade em chave crítica. Introduz o método de Stanislávski, que havia estudado no Actor's Studio, com vistas ao naturalismo que seria de grande valia para a primeira fase de renovação da cena que o Arena promoveria. O andar de baixo finalmente vem à luz e personagens como operários, cangaceiros e jogadores de times de várzea ganham o palco. Era a hora da representação dos temas nacionais, quando dirigiu, entre outros, Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Viana Filho (1959), espetáculo que dá seguimento a Eles não usam Black-tie, peça de Guarnieri (1958) dirigida por José Renato.Ainda em 1960, de mãos dadas com os ensinamentos vindos de Brecht e o seu teatro épico, Boal escreve Revolução na América do Sul , uma mistura de teatro de agitação, tradições populares e revista musical. O espetáculo tem direção de José Renato e afirma com grande inventividade as marcas que pautariam toda a sua produção posterior: de um lado, o espírito criativo iconoclasta, experimental e, de outro, a certeza de que a experiência estética não é mero formalismo, é meio para a discussão urgente de algum aspecto da vida em sociedade. O período que vai de 64 a 71, contabilizada a grande sede de justiça social provocada pelo golpe, é o período da resistência que inclui ações em várias frentes: alinhado ao CPC da UNE, já na ilegalidade, Boal dirige, no Rio, o Show Opinião, com Zé Ketti, João do Vale e Nara Leão. Em São Paulo cria, com Guarnieri e Edu Lobo, o musical Arena Conta Zumbi, cuja estrutura modelar seria aproveitada em outras montagens (Arena conta Bahia, Arena conta Tiradentes, Arena conta Bolívar). O propósito é evidente: fazer, através de personagens históricos ligados às lutas populares, o cotejamento com a realidade atual do país, apontando a necessidade de mobilização e de mudança. Mas não é só. Para que o efeito crítico seja efetivo os espetáculos trazem, entre outras inovações, o “sistema coringa”, uma técnica através da qual todos os atores interpretam todos os personagens e a fábula é conduzida por um narrador, que à maneira brechtiana faz a mediação crítica e chama a platéia a acompanhar as cenas à luz da razão. É ao fim deste duro período, quando finalmente será exilado depois de passar por tortura e de ver suas montagens censuradas, que está o nascedouro da experiência que consagraria Boal como um dos artistas brasileiros mais importantes do mundo. É quando surgem os princípios que vão orientar as técnicas que mais adiante serão aplicadas ao seu Teatro do Oprimido. É criado o Núcleo Independente, oriundo do Arena, que teria ação importante na periferia de São Paulo nos anos 70. O primeiro espetáculo chama-se Teatro Jornal 1a. edição e inspira-se no trabalho de um grupo de agit-prop americano dos anos 30, o Living Newspaper. O procedimento fundamental está próximo do que mais tarde seria o Teatro Fórum: os atores lêem as notícias do dia e criam situações cênicas para debater pontos de vista e lançar novos olhares sobre o noticiado.Expulso do seu país, Boal prossegue com seu trabalho no exterior, primeiro na Argentina, onde desenvolve a estrutura teórica dos procedimentos do teatro do oprimido. É quando passa a sistematizar e a praticar uma revolução verdadeira. Simples como o são as coisas necessárias e urgentes, o Teatro do Oprimido tem como palco qualquer lugar onde um grupo de cidadãos possa se reunir e tem como fiinalidade dar voz, através da representação simbólica do mundo, aos que em geral permanecem calados. Com uma técnica engenhosa, que leva aquele que seria o espectador do teatro burguês ao lugar de atuante no curso dos acontecimentos, é uma forma teatral que desmistifica a coisa estética para ver a beleza no exercício de autonomia do sujeito, quando este é chamado a intervir no andamento da ação e a dar sentido político à sua própria existência. Recentemente o Teatro Legislativo, gênero derivado do TO e surgido durante o mandato de Boal como vereador no Rio de Janeiro, foi responsável pela criação de treze Leis municipais, todas nascidas da discussão comunitária, em encontros nos quais a população apresentou, através do teatro, as suas demandas.Nomeado pela Unesco Embaixador Mundial do Teatro em março deste ano, Boal deixa seus livros traduzidos em vinte idiomas e centros de teatro do oprimido espalhados por mais de setenta países.Nesta semana de homenagens póstumas não será demais lembrar uma fala, na apresentação da sua autobiografia, em que ele dizia que a idéia de se autobiografar é algo quase imoral, pois que o importante é a obra, não o homem. Mas o fato é que seu gênio artístico fará falta, sim, e tende a parecer cada vez mais uma anomalia, um idealismo ingênuo – como, aliás, está tratado já subliminarmente, nas falas de despedida, pela grande mídia e por vários dos seus companheiros de jornada, hoje rendidos ao mercado do entretenimento. Em uma época na qual a arte se identifica e se organiza em tendências de temporada, será cada vez mais raro encontrar um artista cuja tendência radical na direção da justiça é obra de uma vida inteira.
(*) Kil Abreu é jornalista, crítico e pesquisador do teatro. É curador do Festival Recife do Teatro nacional e coordena o Núcleo de Estudos docontemporâneo da Escola Livre de Santo André.
Matéria da "CARTA O BERRO" vanderleycaixe@revistaoberro.com.br